Sudão: civis em Darfur do Sul enfrentam falta de proteção e assistência em meio à guerra

Novo relatório de MSF denuncia violência generalizada, fome e resposta inadequada para apoiar população na região

Para ajudar a combater a fome em Darfur do Sul, MSF iniciou atividades de distribuição de alimentos em dezembro de 2024. ©Abdoalsalam Abdallah

Médicos Sem Fronteiras lançou o relatório “Vozes de Darfur do Sul”, que revela como a violência generalizada provocada pelo conflito armado no Sudão, a fome e a resposta inadequada dos atores internacionais estão devastando a vida das pessoas em meio à guerra.

• Leia o relatório “Vozes de Darfur do Sul” completo em inglês aqui

“As vozes e as histórias capturadas no documento refletem o sofrimento, o abuso e a crueldade sentidos nas comunidades de Darfur do Sul, mas também a resistência e a compaixão das pessoas”, diz Ozan Agbas, coordenador de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF) para o Sudão. “Com a proteção de civis em colapso e a ajuda humanitária ainda insatisfatória, a população de Darfur do Sul exige ser ouvida, exige atenção e exige ação.”

O estado de Darfur do Sul vivenciou uma intensa guerra urbana em 2023, que destruiu os hospitais e a infraestrutura essencial. A presença humanitária, substancial antes do início da guerra civil, em abril daquele ano, se desintegrou com o avanço dos combates.

• Assista: Em Nyala, no Sudão, conflitos comprometem assistência médica

Embora os combates terrestres em Darfur do Sul tenham cessado por enquanto, a insegurança permanece, com pessoas sendo submetidas a uma violência terrível em estradas e terras agrícolas, mercados e em suas próprias casas.

Relatos de detenções arbitrárias, roubos e saques são comuns. Ataques aéreos e de drones continuam a atingir Darfur do Sul e outras partes do país.

 

Violência generalizada

A violência sexual é generalizada. MSF prestou cuidados a 659 sobreviventes de janeiro de 2024 a março de 2025, cerca de 56% dos sobreviventes foram agredidos por não civis.

Uma mulher de 25 anos de Darfur do Sul, que vive em um acampamento para pessoas deslocadas, disse à equipe de MSF: “Quando as mulheres tentam sair do acampamento para trabalhar na fazenda… eles… eles vão me bater, eles vão me torturar… Não há como sair… A filha da minha tia foi estuprada por seis homens, há apenas seis dias… Eu me sinto insegura, porque se eu sair, serei estuprada.”

As pessoas descrevem o medo e a ansiedade das crianças, além de seus próprios sentimentos de desamparo, indignidade e de estarem presos.

“Nossas fazendas estão completamente destruídas – não temos nada. Meu marido foi morto há quatro meses. Não temos nada agora”, disse uma mulher deslocada internamente de 21 anos à MSF na localidade de Beleil. “Há três dias, não como nada… Não sei o que vai acontecer comigo no caminho de volta. Tenho medo, porque aquelas pessoas que mataram meu marido talvez façam o mesmo comigo.”

A violência destruiu o sistema de saúde, e cuidados adequados simplesmente não estão disponíveis para as pessoas devido a uma série de problemas: instalações foram destruídas, danificadas ou abandonadas; profissionais de saúde fugiram ou não estão mais recebendo salários.

Os estoques de suprimentos são baixos ou acabaram e a entrada de novos insumos foi interrompida. As pessoas também lutam para pagar o transporte para chegar ao que resta do sistema de saúde.

Profissional de saúde de MSF atende paciente no setor de emergências pediátricas do Hospital Universitário de Nyala. ©Abdalla Berima

 

Conflito armado e aumento da fome

A insegurança está interligada à fome, já que a ameaça de violência cortou o o a terras agrícolas e à renda.

Entre janeiro de 2024 e março de 2025, MSF apoiou programas em Darfur do Sul que trataram mais de 10 mil crianças com desnutrição aguda menores de 5 anos de idade, e forneceram tratamento nutricional a milhares de mulheres e meninas grávidas e lactantes com desnutrição.

Eu dependo do que consigo encontrar, dia após dia. […] Esta é a minha vida.”

-Mulher de 24 anos no acampamento para pessoas deslocadas de Al-Salam

Infelizmente, estima-se que a crise de desnutrição se agrave ainda mais com a chegada iminente das estações chuvosa e de seca. Em meio ao aumento vertiginoso dos custos dos alimentos, as famílias são forçadas a fazer uma refeição por dia – às vezes nem isso.

“Eu dependo do que consigo encontrar, dia após dia”, disse uma mulher de 24 anos no acampamento para pessoas deslocadas de Al-Salam à equipe de MSF. “Se eu conseguir alguma coisa, nós comeremos. Se eu não conseguir, não comeremos. Esta é a minha vida.”

 

Resposta humanitária insuficiente

Desde o início da guerra, a resposta de organizações internacionais e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) tem sido escassa, inconsistente e lenta para chegar a Darfur do Sul, como explicou uma mulher de 23 anos em Nyala, em novembro de 2024: “Ouvimos dizer que organizações internacionais ajudam as pessoas, mas nunca nos trazem nada”.

Houve alguns sinais recentes de melhora, com as agências da ONU encontrando cada vez mais maneiras de levar suprimentos humanitários para Darfur do Sul.

As ONGs estão gradualmente ampliando sua presença e atividade. No entanto, devido a severas restrições de o, as agências da ONU ainda não estão em Darfur do Sul para liderar e coordenar a resposta. Após mais de dois anos de conflito, as ONGs estão agindo de forma lenta e cautelosa.

 

Apoio entre comunidades locais

As comunidades estão trabalhando em solidariedade para superar os efeitos da violência. Vizinhos se apoiam mutuamente, compartilhando alimentos. Grupos de jovens removem escombros, artefatos explosivos não detonados e compram medicamentos para as pessoas deslocadas que vivem em seus bairros. Professores trabalham gratuitamente em prédios saqueados.

MSF apoiou iniciativas locais para ajudar a istrar cozinhas comunitárias, para fornecer refeições para crianças em idade escolar e para apoiar postos de saúde istrados por voluntários. Instalações de saúde e sistemas de abastecimento de água foram reabilitados, e realizamos um programa que forneceu alimentos a 6 mil famílias.

Distribuição de suprimentos alimentares em Nyala, do estado de Darfur do Sul, em janeiro de 2025. © Abdoalsalam Abdallah

Esses programas demonstram que é possível apoiar iniciativas locais e melhorar serviços quando determinação, criatividade e disposição para correr riscos se combinam, como explica Ozan Agbas, coordenador de emergência de MSF para o Sudão.

“Organizações locais em Darfur têm o conhecimento e a experiência necessários para oferecer serviços essenciais. Fornecer suprimentos, financiamento e poder de decisão a esses profissionais da linha de frente contribuirá substancialmente para salvar vidas”, defende Ozan Agbas.

Os depoimentos e dados médicos em “Vozes de Darfur do Sul – Sudão” foram compilados durante nossas atividades no projeto entre janeiro de 2024 e março de 2025.

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